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Mongólia

Mongólia

Por Álvaro Garnero

Mongólia foi um país que conheci quando já tínhamos completado mais da metade da viagem de volta ao mundo, em 2010. Como não estávamos usando avião, pegamos o trem na Estação Central de Pequim em direção a Ulambatur, capital da Mongólia. Foram 33 horas de viagem num trem nem tão confortável e, obviamente, nem tão rápido, quanto os que a gente já tinha pegado no Japão. Logo na saída, vimos o trem acompanhar parte da Muralha da China. Aliás, a Muralha nos acompanhou em vários lugares.

Quando cheguei em a Ulambatar, primeiro fui matar uma curiosidade: fui atrás dos famosos cantores de garganta da Mongólia para ouvir o que parecia ser uma das tradições mais extraordinárias do país. Fomos direto a um centro de dança e cultura da cidade. A arte de cantar com a garganta na Mongólia é conhecida como khoomii e, ao contrário dos cantos que nós estamos acostumados a ouvir, os artistas usam uns métodos muito loucos, mudando a cavidade da faringe e a laringe para produzir sons que não parecem desse mundo. Não há muito como explicar. Só ouvindo mesmo.

Mas o que eu mais queria fazer desde que cheguei ao país era experimentar a vida nômade de boa parte da população da Mongólia. Por isso, nem nos hospedamos em Ulambatar. Assim que saímos do Centro de Cultura, pegamos a estrada e acabamos nos hospedando em um hotel que recriava um acampamento nômade no próprio caminho onde viveríamos a experiência. Foi uma forma de nos ambientar, mas obviamente aquele hotel/acampamento era só um simulacro do que era a realidade da vida nômade. E essa vida a gente só descobriu no dia seguinte.

No caminho para nossa vila nômade passamos por alguns lugares curiosos: uma rocha em formato de tartaruga, um centro de meditação budista com desenhos do inferno que colocariam medo até em Dante, e uma grande atração local, a colossal estátua de Gengis Khan, construída ao lado de um memorial, também em homenagem ao maior líder da história da Mongólia e um dos maiores líderes da história da humanidade. A estátua fica a 50km de Ulambatur e, naquela vastidão de estepes, todo o complexo do memorial parece mais grandioso ainda.

A viagem não foi totalmente sem problemas – tivemos que trocar um pneu furado no meio da estrada, mas depois de quase 11 horas de estrada dirigindo, conseguimos finalmente chegar a um gher, uma vila nômade, onde passaríamos os próximos dois dias. Primeiro chegamos numa a uma espécie de base histórica, onde vários trajes e utensílios do cotidiano nômade estavam expostos, e dali fomos para a vila que iria nos receber.

Uma coisa que eu notei logo de cara é que os mongóis aproveitam tudo: eles vestem as peles dos animais que caçam, comem a carne, usam os ossos para utensílios que vão de armas a cachimbo e até as fezes são usadas para aquecer.

O frio chegava a ser insuportável. Nós estávamos na primavera, num dia teoricamente quente para eles, e a temperatura não chegava a zero grau. Não havia roupa, chá e comida que chegasse. Tentei esquentar o pé no fogo de uma das tendas e levei uma bronca: aquele era o fogo sagrado deles e não podia ser tocado ou desrespeitado. Com o tanto de frio que a gente estava passando e a impossibilidade de se aquecer, o jeito foi trocar de roupa – na Mongólia, como os mongóis. A partir do momento em que nos tornamos mongóis honorários, os habitantes do clã passaram a dividir tudo conosco. Tiramos leite de vaca, ajudamos a construir uma barraca, montamos a cavalo e ajudamos na cozinha. A comida é uma delícia, a hospitalidade, sem precedentes. Testemunhei até um treino de corridas de cavalos com meu mini-Gengis Khan preferido, o Olá – o menininho mais bacana que conheci em toda a viagem. O resultado foi que o tempo não passou. Nesses dois dias e pouco esquecemos a volta ao mundo e a pressa.

Em toda minha história de viagens, nunca achei tão difícil ir embora de um lugar. Mas eu volto. Juro que volto.

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